sexta-feira, 27 de junho de 2008

O último amor de um corsário

É o suficiente. Eu já assisti de mim mesmo muito mais do que gostaria. Apesar da minha âncora de esperanças e sentimentos ainda prender-me a tua praia, navegar é preciso. Continuar a navegar, tão sem norte quanto antes, até que encontre um porto seguro ou venha a perecer em alto mar. Hoje já nem sei porque, mas pensei ter encontrado em você este porto seguro. Triste, me enganei. Miragens. Miragens de quem navega há muito tempo sem rumo, buscando incessante e (nem tão) incansavelmente onde aparcar. Pelo que parece, foi só que vi em tua paradisíaca praia.


Difícil é zarpar novamente. Recolher os pertences de quem um dia chegou a acreditar que poderia se estabelecer ali, e viver. Viver sem prazos, sem lágrimas, sem dor. Aposentar, finalmente, o velho barco a vela, que hoje mal suporta o peso de minha tristeza, da minha consciência, dos meus fracassos.


Você me observa arrumar as malas. Chora, mas quer que eu vá. Me pede o impossível, me pede que entenda. Tuas lágrimas junto às minhas fazem uma tempestade nesse mar. Chove, e me faz lembrar do dia em que aparquei em tua praia. Chovia exatamente assim naquele dia, mas o sol brilhava tímido no céu. Lágrimas de felicidade e a certeza ingênua de um amor... Mas não hoje. Hoje, tudo é cinza.


E cinza mesmo são as cinzas que, você, entre soluços, produz com nossas fotos na fogueira. No crepitar do fogo ainda ouço nossas promessas. O que houve conosco? Em cada pequena labareda, um sorriso torna-se fumaça, e esvai-se pelo ar. Esvai-se como meu peito se esvai agora. Ah meu amor, deveria eu agora chamar-te pelo nome, como um desconhecido qualquer? Talvez... Creio que não nos conhecemos mais.


Toma essa amarga honra pra si, e diz meu nome, com cada letra, lembrando-me de não esquecer uma coisa qualquer. Sinto que aquilo lhe corta o peito tanto quanto ao meu, mas por que você insiste em fazer isso conosco?! Não me importa esquecer essa coisa qualquer! Eu estou esquecendo meu coração em tuas mãos, do que me importa o resto?!

Finalizo minhas malas. Não consigo olhar pra mim, nem pra você, nem pra nada. Só olho para o chão, que minhas lágrimas incessantes umedecem. Olhar para mim é ver a tristeza em sua face mais crua. Olhar pra você é ver a própria dor. E se encaro qualquer canto dessa casa, só o que consigo é assistir nossos momentos mais felizes despedaçados pelos cantos.


Reúno cada pingo de coragem que me sobra, e frente aos olhos afogados, contemplo-te mais uma vez. Não há palavras. Você afunda teu rosto enrubescido pelo pranto entre teus joelhos. O mundo pára de girar, o tempo pára de passar, por apenas um segundo, e fico me lembrando da primeira vez que te vi. Da ansiedade, daquele aperto bom no peito, do nervosismo de me declarar. O primeiro toque, o primeiro beijo, a primeira noite, o primeiro “eu te amo”. O único sincero que eu já pude ouvir, e o mais sincero que já ousei dizer.


As viagens, os planos, cada despertar ao teu lado, você roubando minhas camisas pra dormir... O café-da-manhã na cama, suas imitações de mim, minhas imitações de você, as cartas, as poesias, as confissões, a cumplicidade, os ciúmes bobos... Ah, te abraçar pra te proteger de tudo, e me sentir o homem mais forte do mundo. Te ninar. Te ver fazendo charme, fazendo biquinho, pra me convencer de qualquer coisa que eu me negasse. Você não tem idéia de quanto me tinha nas mãos quando fazia isso...


Como uma lâmina perfura papel, você me traz de volta ao mundo real, me pedindo, e tentando inutilmente engolir o choro, que parta logo. Olho pra você, que desvia o olhar e recai novamente entre seus joelhos. Tento esboçar qualquer palavra, mas você corta: “Vai... por favor... eu te imploro...”. Recolho as malas de nossa cama, hoje apenas sua, e te contemplo pela última vez. Caminho em direção a porta, e ao fechá-la, escuto teu sussurro choroso: “Adeus, amor...”.

Fecho-a, e teu choro se intensifica. Já não posso mais te ver. Olho a velha rede, em que, sei, nunca mais hei de ninar-te olhando as estrelas. É chegada a hora. Piso, novamente, no meu velho barco. Não há vento, e nem vontade, mas preciso sair dali. Vou atender teu pedido, pela última vez...


De volta ao mar... Me tortura essa saudade. E repito, pra mim mesmo, tuas últimas palavras:


Adeus, amor.


Diego de O. Martins

Rio de Janeiro, 27 de Maio de 2008

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