segunda-feira, 31 de maio de 2010

Pode ser você?

Procura-se um amigo.
Não precisa ser homem,
basta ser humano,
basta ter sentimento,
basta ter coração.
Precisa saber falar e calar,
sobretudo saber ouvir
o que as palavras não dizem.
Tem que gostar de poesia,
de madrugada, de pássaros,
das estrelas, do sol, da lua,
do canto dos ventos
e das canções da brisa.
Deve ter amor,
um grande amor por alguém,
ou então sentir falta de não ter esse amor.
Deve amar o próximo e respeitar a dor
que os passantes levam consigo.
Deve guardar segredo sem se sacrificar.
Não é preciso que seja de primeira mão,
nem é imprescindível que seja de segunda mão.
Pode já ter sido enganado,
pois todos os amigos são enganados.
Não é preciso que seja puro,
nem que seja de todo impuro,
mas não deve ser vulgar.
Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e,
no caso de assim não ser,
deve sentir o grande vácuo que isso deixa.
Tem de ter ressonâncias humanas,
seu principal objetivo deve ser o de amigo.
Deve sentir pena das pessoas tristes
e compreender o imenso vazio dos solitários.
Deve gostar de crianças
e lastimar as que não puderam nascer.
Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos,
que se comova quando chamado de amigo.
Que saiba conversar de coisas simples,
de orvalhos, de grandes chuvas
e das recordações da infância.
Preciso de um amigo para não enlouquecer,
para contar o que vi de belo
e triste durante o dia,
dos anseios e das realizações,
dos sonhos e da realidade.
Deve gostar de ruas desertas,
de poças d´água e de caminhos molhados,
de beira de estrada, de mato depois da chuva,
de se deitar no capim.
Preciso de um amigo que diga que vale a pena viver,
não porque a vida é bela,
mas porque já tenho um amigo.

Preciso de um amigo para parar de chorar.

Para não viver debruçado no passado
em busca de memórias perdidas.

Que bata nos ombros sorrindo e chorando,
mas que me chame de amigo,
para que eu tenha a consciência de que ainda vivo.

(Vinícius de Moraes)

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